No último Aniversarau do P&P, em comemoração aos 4 anos de existência do grupo, foram revelados os vencedores de nosso 2° Concurso, cujo foco foi a categoria Conto. Vejamos os 3 primeiros lugares:
1° Lugar - Marvin Cross, com o conto "O Velho Sábio"
2° Lugar - Caio Freitas, com o conto "O Fantasmagórico Fantasma Górico"
3° Lugar - Annie Carvalho, com o conto "Civilização Mayuãni"
As premiações incluíram: troféus, certificado, kit Pena, livros, brindes e cortesias. Parabéns aos nossos queridos ganhadores! :)
E confira agora os textos na íntegra.
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O VELHO SÁBIO
Há um velho que vive no topo de uma colina muito, muito alta. Seu lar é uma
caverna fétida que, volta e meia, está empesteada de abutres que pairam por
ali.
No entanto, o povo da tribo Ashkar busca os conselhos do velho há quase um
século. É uma tradição e uma honra. Há cerca de três anos, os Ashkar
venceram a guerra dos setenta e nove dias contra a tribo rival, os Nazraul, que
costumavam viver do outro lado do rio, e que agora estão extintos. Tudo isso
graças às orientações do velho sábio, que dera as devidas coordenadas
estratégicas para todos os momentos e batalhas na peleja contra os Nazraul.
Em outra ocasião, durante o último verão, quando uma grave seca parecia se
alastrar pela terra sagrada dos Ashkar, o velho sábio lhes orientou que
acendessem uma fogueira bem alta, desenhassem um círculo com sangue de
animais em volta dela, e dançassem para a deusa Rhayan durante oito dias e
oito noites, alternando-se em grupos, para que os ritos não se tornassem
cansativos para uma pequena porção de pessoas. Ao fim do ritual, houve um
período chuvoso como jamais existira na história daquela civilização, e a
colheita fora farta e por um ano os Ashkar não precisaram plantar coisa
alguma.
O velho sábio, cuja identidade e história ninguém sabia, nem mesmo os
membros mais antigos da tribo, passou a ser tomado então como sacerdote,
estrategista militar, conselheiro amoroso, conciliador para conflitos, curandeiro
e qualquer outro título que pudesse remeter a algum serviço essencial para a
vida humana. E assim a prosperidade dos Ashkar ia se perpetuando.
E o mais extraordinário de tudo: o velho ajudara a todos sem jamais abrir a
boca para pronunciar uma palavra sequer. Relatos de quem já escalou a colina
revelaram que, sempre que consultado para algum fim, o velho sábio sempre
se mostrara impassível, plácido como uma aranha que tece pacientemente sua
enorme teia, silenciosa e sagaz. Esses mesmos relatos informaram que as
respostas do velho sábio vinham horas mais tarde, em forma de sonhos ou
mensagens que surgiam como claros sinais na natureza ou até mesmo no
comportamento dos animais. Ou, de forma ainda mais óbvia, através de
inscrições nas paredes das casas ou na areia da praia. Havia uma versatilidade
admirável nas ações do velho sábio até nisso.
O único relato que deverá permanecer em silêncio, provavelmente, é o do
pequeno Yamit. Filho do capitão do exército que liquidou com os Nazraul, o
pequeno valente mal devia ter dez anos quando escalou sozinho a colina.
Ávido por uma resposta sobre seu amor impossível por uma garota que só
encontrava em seus sonhos, Yamit estava disposto a encarar a orientação
certeira do velho sábio, mesmo que tudo que ele tivesse fosse uma bronca por
sua audácia em fazer a perigosa escalada por conta própria. Entretanto, Yamit
era otimista e contava com a hipótese de que o velho lhe desse os parabéns
por tão arriscada empreitada e, quem sabe, até lhe fornecesse as pistas
necessárias para encontrar a doce menina.
Mas a frustração de Yamit, a qual ele levará para sempre consigo e da qual
jamais se esquecerá, por mais que tente, foi quando, depois de reverências e
apresentações, apercebera-se de algo muito perturbador. A ponto de desmaiar
com tanto fedor que permeava a caverna, o menino culpou-se gravemente por
ter se esquecido de levar algo para proteger as narinas, contrariando um dos
detalhes cruciais das narrativas que ouvira sobre as visitas ao velho. No
entanto, num ato de extrema ousadia e jamais recomendado por ninguém, o
garoto aproximou-se do velho, sentado como uma estátua sobre uma grande
pedra, os olhos serenos fitando uma parede à sua frente. O mau cheiro ficou
ainda pior.
E foi então que Yamit descobriu que sua petição jamais seria atendida, pois, a
julgar pela falta de respiração do velho sábio, além de sua face quase
inteiramente carcomida, aquele corpo imóvel devia estar jazendo sem vida há
várias décadas.
Yamit não teve coragem de puxar o pano que cobria o corpo do velho. Havia
alguns buracos no lençol e, certamente, seriam das bicadas dos abutres
tentando arrancar a carne morta ao longo dos tempos.
Num só ímpeto, o garoto correu para fora da caverna, horrorizado, procurando
fazer a descida da forma mais veloz que pudera.
Daquela noite em diante, a menina desaparecera dos sonhos de Yamit.
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O FANTASMAGÓRICO FANTASMA GÓRICO
Havia 3 meses que eu não visitava meu primo, mas uma certa noite
recebi uma ligação estranha. Era um número estranho, uma voz estranha falou,
com ruídos estranhos ao fundo, se identificando como Górico, meu primo, me
pedindo para ir à Macapá visitá-lo. Achei estranho o pedido, mas já que estava
de férias, resolvi ir. Quando finalmente cheguei em Macapá, depois de 45
minutos, já que morava em Santana, Górico me recebeu de braços abertos em
sua casa, que estava estranhamente bem arrumada, apesar de seu histórico
de pessoa preguiçosa e também pelo fato de que ele morava sozinho, no
entanto a casa estava estranhamente mal cheirosa. Ele estava com uma roupa
branca, sua pele estava pálida. Parecia um médico que acabara de se maquiar
para ir a uma festa. No entanto, pude notar sua inquietação, que assim que me
acomodou em um dos cômodos da casa, me pediu para dar uma olhada em
um conto que ele estava terminando de escrever, sobre fantasmas ou algo
assim, cujo título era infame. Havia uma introdução apresentando os dois
personagens centrais, sendo que um deles estava escrevendo um conto sobre
algo sobrenatural, pedia que seu companheiro lesse o dito cujo, do qual o título
era algum tipo de cacofonia, se não falhava a memória do outro. Depois da
longa viagem até Macapá, a fome bateu, mas foi embora assim que abri a
geladeira, que estava vazia, isto é, de algo comível. Tinha teias de aranha,
alguns ratos fazendo residência e várias baratas, das quais davam o delicioso
aroma de podridão. Nem ligada na tomada ela estava. Na verdade, nada na
casa estava ligado em tomada alguma. Aí você me pergunta: “mas como
Górico estava escrevendo o conto?”, e eu te respondo: Ele estava usando lápis
e papel. Estranho, não? Pois foi isso que vi ao chegar na sala. Górico havia
pegado seu caderninho e estava tentando terminar seu conto inacabado, e
parecia empolgado. Pude perceber, porém, que suas feições estavam variando
entre algo alegre e algo macabro. Mas a que mais me perturbou foi quando
alguém bateu na porta e o medo estampou no seu rosto a expressão de
desespero. Aproveitei para ver o que ele tinha escrito, quando se levantou.
Após aquilo que eu tinha lido antes, o trecho seguinte mencionava algo sobre
uma pessoa vestida de preto bater na porta da casa de um dos personagens,
fazendo alguma cobrança, mas o dono da casa dera uma desculpa
esfarrapada e garantiu que na próxima visita o contrato seria encerrado, com a
devida oferenda exigida. Imediatamente me virei e Górico estava atrás de mim
com olhos julgadores. Olhei pela janela e vi a pessoa na qual batera na porta
momentos antes: cabelos pretos, blazer preto, sapatos pretos e ao se virar e
olhar diretamente para mim... olhos completamente negros, como o fundo do
oceano, e foi embora, me deixando paralisado, com um frio na barriga e
vontade de ir ao banheiro fazer papel de rei. Ao sair da janela, notei que Górico
estava pensativo, inquieto, agoniado, tentando finalizar seu conto. Já eram dez
da noite e resolvi deitar, ouvi passos pela casa, as luzes piscavam sem parar.
Fui na sala e lá estava Górico, em pé olhando para o nada. Fui falar com ele e
quando ele se virou em minha direção, havia sangue escorrendo por sua boca,
seu rosto estava extremamente pálido e em sua mão havia um pedaço de
carne vermelha e então caí para trás e levantei da cama, com o susto do
pesadelo. No dia seguinte, de manhã, já que não tinha comida em casa, decidi
ir à padaria, que ficava na esquina. Górico estava no mesmo cantinho, colado
numa cadeira e enterrado em seu conto, e ele estava com a mesma roupa
branca, como se não tivesse ido dormir. Não me atrevi a fazer contato direto
com ele, mas perguntei se ele gostaria de ir na padaria comer algo. Ele disse
que havia acabado de voltar da padaria e que eu podia ir sem problemas.
Tomei o café da manhã na padaria, e obviamente, perguntei a algum atendente
se meu primo havia ido lá mais cedo. O descrevi com todos os detalhes
possíveis, mas havia esquecido de falar seu nome, então lembrei que falar o
nome da pessoa poderia ajudar também. Falei o nome dele e as luzes
piscaram, e o atendente me olhou com cara feia e foi embora. No caminho de
volta para a casa de Górico, vi que a mesma mulher da noite passada estava
na porta, e Górico estava falando com ela, então resolvi entrar pela porta de
trás da casa, e minha intuição mandou eu checar o que ele tinha escrito no
conto. Li que o cobrador visitaria o anfitrião da casa e este entregaria o
visitante, como a oferenda. Meu estômago congelou e quase coloquei para fora
o pão com ovo que havia comido quando vi que os dois estavam na sala, mas
não haviam me percebido. Tentei rasgar a folha, mas ela parecia ser feita de
madeira, tentei furar com um lápis que estava na mesa, mas o mesmo se
quebrou. Então cuspi e passei o dedão nas ultimas linhas. Os dois se
entreolharam e vi que havia conseguido apagar boa parte do que estava
escrito, até o momento em que o cobrador visitaria o anfitrião, então o mais
rápido que consegui, peguei outro lápis e escrevi que o visitante descobriria o
que estava acontecendo, e nesse momento fui levantado no ar pela mão da
mulher de olhos negros, me agarrando pelo pescoço, e ela começou a falar.
Disse que ela era uma serva do rei dos demônios e que há três dias havia ido
na padaria em que Górico trabalhava como padeiro, pois este ao fazer os pães
sempre dizia a mesma frase, como brincadeira: “este é o pão que o diabo
amassou”, e isso, ao se repetir milhares de vezes todos os dias, acabou
invocando tal criatura demoníaca, que chegou um certo dia para reclamar com
o padeiro dizendo “este aqui é o pão que o diabo amassou! Nem você
comeria!”, então Górico comeu o pão, para provar que não havia nada de
errado, e aparentemente, naquele momento não havia mesmo, mas foi quando
chegou em casa que começou a se sentir mal, tonto, e a mesma mulher da
padaria apareceu em seu quarto e disse que o que ele havia comido era um
pedaço do próprio coração, e que ela o manteve vivo para não morrer na frente
dos outros, e foi então que Górico morreu no seu quarto. Sua alma saiu de seu
corpo, e a mulher disse que ela só seria libertada se ele trouxesse mais uma
alma, e para ajudar a recolher uma vítima, ela enfeitiçou um caderno que
estava no quarto, com a magia de que o que fosse escrito ali, aconteceria.
Depois que ela contou a história, Górico deu um empurrão na mulher demônio
e esta me largou. A casa começou a tremer, as luzes piscando, e o medo
dentro de mim tomando conta, senti que minha sanidade estava se esvaindo,
mas Górico gritou para eu pegar o caderno e finalizar a história. Então me
levantei e tentei escrever alguma coisa, mas ao ver que havia um par de asas
nas costas da mulher, suas mãos haviam crescido e ficaram afiadas, e ela deu
um golpe transversal no peitoral de Górico, que caiu paralisado. Meu corpo
também parou. Ela veio em minha direção, me levantou, perfurou minhas mãos
com seus dedos, me prendendo na parede. A dor foi tão grande e intensa que
nenhum outro pensamento poderia superar aquilo, mas consegui enxergar
Górico se levantando aos poucos, pegando o caderno e escrevendo alguma
coisa, no momento em que a criatura demoníaca disse que nossas almas eram
dela. Percebi que os olhos de Górico haviam ficado furiosos e ele chegou perto
de nós e deu um soco no abdome do demônio, que se dividiu ao meio. Caí de
joelhos no chão, querendo desmaiar, mas antes vi Górico se esvaindo em
cinzas também, me pedindo desculpas, se arrependendo. Tudo bem, ele só
tinha oferecido minha alma para o capeta, não tinha problema, já que ele não a
conseguiu. Uma parte do telhado caiu perto de mim, abrindo um buraco no
chão, revelando algo que parecia um corpo, e com todas as minhas forças
restantes, decidi sair da casa, que estava desmoronando. Ao chegar na rua,
haviam várias pessoas olhando a casa caindo, e algumas me ajudaram, vendo
que eu estava sangrando. Fumaça subiu dos escombros e em meio a ela uma
forma grotesca apareceu, como a cabeça de um morcego gigante, dando um
sorriso macabro... e desapareceu. Desmaiei. Momentos depois acordei na casa
de um dos vizinhos, a filha deles disse que bem na entrada da casa havia
encontrado algo que achava que pertencia a mim: era o maldito caderno
enfeitiçado. Por curiosidade fui ler o que Górico havia escrito, e lá dizia que
após a mulher demônio revelar toda a verdade, o anfitrião conseguiria salvar o
visitante... E de alguma forma seria sacrificado, mas sua alma não seria
libertada até que o visitante conseguisse outra alma para a criatura, pois a
história não havia acabado, o demônio ainda estava nesse plano e a morte do
visitante estava próxima. Me arrepiei por inteiro e vi que a menina que havia
me entregado o caderno estava com os olhos completamente negros. Saí
correndo da casa, mas antes escrevi que a próxima pessoa que tivesse em
posse do caderno deveria finalizar a história sem sacrificar ninguém, mas a si
mesma. E essa pessoa é você que está lendo agora. Boa sorte.
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Civilização Mayuãni
Há séculos os índios Mayuãnis habitavam as terras do platô do
Tumucumaque sob a proteção dos deuses do Escudo das Guianas.
Ergueram sua tribo em meio às cachoeiras e nascentes que
despencavam das rochas afloradas nas entranhas gigantescas da floresta,
suas folhas enormes debruçavam-se no leito tremulante do curso das
correntes. Por onde a água passava fazia desabrochar a vida.
A pedido dos deuses, os Mayuãnis construíram majestoso monumento
de pedra para organizar as atividades de sua aldeia a partir dos astros, assim
saberiam quando plantar, colher, parir seus filhos... E tudo era
matematicamente seguido. Eram um povo guerreiro e muito hostil, devido sua
forma de instrução voltada para o combate, grafismo e infantaria das pedras.
Sua aparência era assombrosa. Tinham o hábito de mastigar uma planta
abundante, a titica, que liberava uma resina que ao longo dos anos deixava seus
dentes vermelhos. Além da caça, costumavam alimentar-se de insetos, principalmente de aranhas gigantes; seu diâmetro chegava a ser maior que
uma mão humana, e muito abundantes naquelas matas, eram retiradas de
suas tocas e espetadas na fogueira, um verdadeiro aperitivo aos grupos na
floresta. Tudo era aproveitado: até suas pequenas unhas eram usadas para
retirar as migalhas do dente e o veneno servia para o importante ritual Eruã, o
qual acreditavam que em pequenas doses introduzidas de
forma intracutânea através de cortes na pele permaneceriam imunes às pragas
da floresta.
Às mulheres, desde o nascimento, era lhes dado o ofício do artesanato
com traços e figuras zoomórficas utilizados em toda vida tribal e especialmente
em cerimônias a suas entidades e sepultamentos, algo muito valorizado na
aldeia. Não havia casamento, desse modo a mulher escolhia o bravo que
achasse mais adequado. Homens que não fossem escolhidos por duas vezes
seguidas eram rebaixados a servos no templo.
Quando as guerreiras completavam quarenta anos auferiam status de
sapiência plena, posição considerada de respeito na aldeia e passavam a
ensinar as moças da nova geração. Uma cultura baseada nas tradições,
orientavam-se com os deuses em tudo, e esses sempre se mostraram
autoritários e soberanos nas relações com seu povo. Os líderes Mayuãni
chamavam os seus soldados de “caras pretas”: o nome vem do hábito de pintar
não apenas a cara, mas o corpo todo com a lama das poças naturais onde
habitavam os espíritos dos antigos, junto com as árvores e pedras em
decomposição. Não usavam veste alguma. E gostavam de
adornos sobretudo na cabeça, nos braços e no pescoço, que simbolizavam
respectivamente: sabedoria, força e equilíbrio. Isso não era um traço de
vaidade apenas, mas respeito à Lei sagrada deles.
-Qualquer um que nasça defeituoso deve ser sacrificado! – Dizia a Lei.
Dessa forma se estabelecia a sociedade deles, hierárquica e austera.
Dizendo estas palavras, sobre o altar de granito bruto, o cacique cortou a
cabeça do recém-nascido. A mãe nada podia fazer; seu corpo era enterrado
fora da tribo, significando que ele não era digno de pertencer àquela terra.
Aos dez anos de idade os curumins eram recrutados para servir à vontade dos deuses no exército dos guerreiros. Eram levados ao topo do platô
do Tumucumaque, onde eram submetidos às mais dolorosas e pavorosas
experiências, até se tornarem homens sem alma. Dessa forma não teriam
medo de nada, o que os tornaria invencíveis.
Quando retornavam de lá, já com dezessete anos, nem pareciam seres
humanos. Seus pés eram manchados de sangue e urucum, e a escuridão
pairava em seus olhos.
-“Jamais mantenham contato com povos do mundo exterior e destruam
o homem branco que se aproximar sem piedade...”. Bradavam os deuses de
dentro do abismo selvagem enquanto eles marchavam de volta.
Certa manhã as sentinelas farejaram uma comitiva de homens vindo em
direção à tribo e com extraordinária exatidão posicionaram-se para atacar.
Quando os primeiros “homens brancos” chegaram, logo foram abatidos
pelas zarabatanas dos invisíveis e astutos Mayuãnis, causando-lhes morte
instantânea. Esses garimpeiros não podiam imaginar o terrível mal no qual
estavam se metendo, afinal não deram ouvidos aos boatos que corriam na
região de Monte alto do Amapá: contava-se que ali na mata havia uma
poderosa e antiga civilização indígena ainda muito desconhecida. Eram
selvagens e canibais. No ano de 1934, ignorando os avisos, um grupo de
homens embrenhou-se em meio ao incógnito em busca de riquezas,
principalmente pedras preciosas.
Eram trinta ao todo; no início da jornada pelo menos dez foram abatidos
pelo veneno assoprado pelos índios. Fato que fez os garimpeiros apavorarem-se
e, apesar de também estarem armados, sentiam que um mal muito mais
perigoso havia por trás daquela floresta sombria.
Em uma atitude desesperada, começaram a atirar para todos os lados
sem um alvo definido, despertando ainda mais a fúria dos guerreiros que, estando em sua tribo com suas mulheres e crianças, mesmo muito distantes
deles e sem possibilidade de serem atingidos, foi suficiente para evocar a ira
dos deuses canibais.
Os índios saíram de trás das folhas como demônios e com suas lâminas
afiadas golpearam os pescoços dos homens de modo que eles não morressem
de imediato. Os amarraram com cordas grossas feitas de cipó e os levaram ao
templo das grandes pedras para acalmar a cólera das divindades. Os ofertaram
em meio a cantos, danças e bebidas alucinantes em troca de força e proteção
para sua aldeia, e os ídolos alegraram-se com o sacrifício e de dentro das
sombras disseram:
- “Para deter um inimigo é preciso ver o que ele vê. Sentir o que ele
sente. Falar o que ele fala. Comer e beber dele a qualidade que deseja adquirir
para si...”.
Então os guerreiros montaram uma grande fogueira lançando os
inimigos ao fogo e depois lhes arrancaram as partes do corpo especificas que os
interessavam. Olhos, braços, tudo era devorado para que eles adquirissem as
melhores características de seus oponentes e pudessem se tornar, desse
modo, imbatíveis.
Regozijavam-se embalados por ladainhas lúgubres e exaltavam-se de
conquistas altivas. Ostentavam nunca terem sentido o sabor da derrota. Um
povo de exército forte, capaz de tudo; que nada temia, fechados, intactos em
sua raça e cultura. Criados à base de fogo para que nada mais sentissem e
suas chamas faiscassem dentro de seus olhos e tudo que eles tocassem fosse
destruído e consumido por eles.
Desse modo, eles já estavam certos de sua capacidade soberbamente
destrutiva, porém - muita luz ofusca os olhos... bradou o deus de pedra, mas os
guerreiros estavam contemplativos demais por suas presas, para qualquer outra
coisa.
Naquele momento fatídico o mais valente e astuto garimpeiro mesmo
gravemente ferido fingiu-se estar inconsciente, na esperança de salvar-se
daquele pesadelo.
Era costume sempre dar ao líder o inimigo mais forte como prêmio de
soberania, e por essa razão era o último a ser levado para a fogueira, momento
em que o mestre encerraria o rito.
O homem escolhido foi levado pelos súditos, que o entregaram com
júbilo ao ancião, que mostrou os corroídos dentes em sinal de que a presa era de
seu agrado. Assim ele ergueu os braços de orgulho.
Estavam todos ali, às vésperas de um inesperado evento da natureza
que havia sido pressagiado dias antes pelo pajé em forma de sonho.
- “Uma nuvem negra pairava no dia em que o forasteiro fez o tempo
parar... Ele trazia água que destrói o fogo que há em nós, nos transforma em
cinzas e pó...”.
Ignorando a si próprio decidiu não consultar os deuses sobre o terrível
sonho, julgando ser ridicularizado, dada a tradição de seus companheiros.
Ele não podia imaginar o grave engano e sua consequência. Tratava-se
de um fenômeno das águas e naquele momento festivo começou a desabar
sobre o platô pegando todos de surpresa e rapidamente começou a devastar a
frondosa floresta tropical.
Nessa ocasião minuciosa o cordato cacique não esperando imprevistos, principalmente da natureza naquela época do ano, distraiu-se com aquele curioso evento e seus olhos relampejaram em direção ao céu; não intuíra que o inimigo fingido, percebendo a breve oportunidade, de súbito pegou de sua artesanal algibeira o machado consagrado e golpeou-o na cabeça atravessando-lhe o crânio com um único e fatal movimento. Tudo isso durou apenas um segundo.
Quando a primeira gota de sangue do líder tocou o gnaisse do templo o tempo parou... no segundo seguinte as enormes rochas megalíticas começaram a despencar em cima de todos. O garimpeiro sangrando jogou-se dali embrenhando-se na mata correndo e correndo..., no entanto as pedras não o atingiam mesmo que passassem perto de sua cabeça, porém os Mayuãnis elas não erraram. Os deuses não toleraram aquela terrível falha dos guerreiros treinados por eles próprios para serem invioláveis. E imediatamente as divindades tomadas de furor lançaram-lhes uma praga negra que extinguiria aquela civilização para sempre da face da Terra.
Assim desapareceram os Mayuãnis. Ainda não existem vestígios de sua existência no mundo, apenas relatos passados de geração.
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